Entrevista a Maria da Luz Carvalho Matos- Presidente da delegação de Carvalhais da Cruz Vermelha

1- Como e quando surgiu o seu vínculo à Delegação de Carvalhais da Cruz Vermelha Portuguesa?
Desde o primeiro momento fiz juramento no corpo de apoio geral e mais tarde como Presidente do Conselho Consultivo a convite do então Presidente. Quando nas eleições seguintes se começou a constar que não haveria recandidatura e não apareceu lista até à véspera, reuni uma equipa formada um dia antes do termo das candidaturas e entreguei essa lista no limite do tempo.
Já tentei sair, como aconteceu este ano. Mas não surge ninguém para pegar nesta instituição não sei porquê, mesmo na Assembleia Geral apenas estiveram 3 elementos para além da equipa directiva.

2- Que serviços são prestados pela instituição que dirige?
A missão da Cruz Vermelha é baseada nas Convenções Internacionais de Genebra, subscritas e ratificadas por Portugal.
É principal missão da CVP prestar assistência humanitária e social aos mais desfavorecidos e vulneráveis.
Em Carvalhais, a face da emergência pré-hospital é a mais visível ocupa 90% das nossas actividades, mas não é única. Os transportes dos que não tem meios de subsistência são gratuitos e os que não tem apoio social, pagam como vão podendo.
Já tivemos o serviço de distribuição de roupas mas a pobreza envergonhada, impede as pessoas de recorrerem às instituições e face à pouca procura e falta de condições e espaço, terminámos com o serviço.
O apoio às actividades das várias colectividades das freguesias de Lavos, Paião e Marinha das Ondas, são outra tarefa com algum peso.
Ganhámos uma consulta pública e estamos a prestar apoio na construção da Central de Ciclo Combinado em Lares, com uma ambulância.
Este ano vamos avançar com a área da formação em socorrismo para o público em geral e nesse sentido já ministrámos 4 cursos em Abril e Maio na Portucel/Soporcel.
Estamos a preparar a candidatura para apresentar em Setembro para promover a formação modular financiada em diversas áreas, como a geriatria e apoio a crianças, entre outras.
Estamos a preparar também a criação de uma empresa de inserção para avançar com o projecto de uma lavandaria/engomadoria.

3- Quais as principais dificuldades?
As maiores dificuldades são as de quase todas as instituições com base em voluntariado.

a) Os recursos humanos são escassos e cada vez mais os voluntários são voláteis. Acresce a dificuldade de as exigências no desempenho serem cada vez maiores e é preciso muita actualização de conhecimentos e capacidade de resposta. Estamos neste momento a fazer a reciclagem de todos os voluntários, o que envolve disponibilidade acrescida para eles e custos para a instituição, mas só podemos actuar se tivermos recursos humanos capazes.

Já tivemos muitos voluntários, mas os serviços também já foram cumpridos em casa enquanto se fazia outra coisa. Hoje o tempo de resposta às chamadas não permite esta actuação.

Quem dera haver gente com vontade para se empenhar nesta área apaixonante.

b) Os recursos financeiros obrigam a uma grande engenharia financeira todos os meses. O nosso principal cliente é o estado e este não paga a tempo. As empresas fecham por dívidas do estado, nós esperamos que não nos aconteça o mesmo.

c) O espaço físico que ocupamos também causa alguma entropia porque como se pode verificar não permite mais do que já fazemos.

4- Que projectos vão ser postos em prática este ano?
Este ano os projectos estão enquadrados nos 3 pilares do nosso plano de actividades para 2009: aposta formação interna e externa; implementar a lavandaria e reforçar a capacidade de resposta na área da emergência pré-hospitalar.

5- A formação em socorrismo continuará a acontecer nesta instituição?
A formação do socorrismo é o nossa trave mestra, o que nos diferencia e será cada vez mais uma aposta, quer interna como externa.
Através do ensino de socorrismo de proximidade iremos apresentar uma proposta para que toda a população possa ter conhecimentos básicos de socorrismo. Os acidentes não escolhem hora ou lugar e uns minutos fazem toda a diferença, para os outros e para nós.
Graças ao que aprendi na Cruz vermelha já enfrentei alguns acidentes do meu filho com calma e tranquilidade e evitei as deslocações ao Hospital Pediátrico.
Em Março fizemos uma acção de sensibilização com um agrupamento de escuteiros e em Junho iremos à escola da Costa de Lavos a pedido da professora. Estamos disponíveis, para corresponder a este tipo de solicitações.

6- Os apoios atribuídos à Delegação de Carvalhais da CVP são suficientes para o seu funcionamento?
A Delegação de Carvalhais tem como único apoio institucional um Protocolo com a Câmara Municipal da Figueira da Foz no valor de 250 Euros/mês para que prestemos o apoio às colectividades e às actividades da própria Câmara bem como a isenção de pagamento aos carenciados. Este apoio este ano ainda não foi pago. Mas continuamos a prestar o serviço.
Se verificarmos o apoio da autarquia às outras colectividades verificamos que só não sendo uma colectividade se justifica a assimetria. Ou então porque as nossas actividades não dão projecção politica. Darem-me 1000 euros para adquirir um monitor cardíaco pode salvar vidas mas mesmo colando o nome do vereador no equipamento não dá visibilidade e se este não sabe sequer para que serve porque se há-de esforçar? Está mal mas acontece.
Aliás no ano passado nas celebrações do nosso aniversário não esteve presente nem o representante da CMFF, apesar de estar alguém indicado, nem sequer da Junta de Freguesia.
Investimos muito em material para utilização pública, material caro e de desgaste e muitos consumíveis.
Se uma colectividade não tiver dinheiro não faz obra nós não fazemos o socorro. Uma colectividade investe em património, nós investimos em material que permita melhorar a qualidade do serviço prestado. O que gastamos em ligaduras, luvas, oxigénio e outros é imenso. São naturezas diferentes.
Tudo o que temos é resultado de muito trabalho, quotas e alguns apoios particulares, que muito agradecemos.

7- Fale-nos, aqui ao blog, de como se encontra a Cruz Vermelha dos Carvalhais, em termos financeiros e de recursos humanos.
Como estamos em termos financeiros e de recursos humanos? Penso já ter respondido parcialmente.
Financeiramente temos um passivo acima dos nossos desejos mas o saldo financeiro é positivo.
O nosso relatório de contas de 2008 foi aprovado em Março com saldo positivo e continuamos no bom caminho. Um contabilista diria que estamos bem, a nossa tesoureira diz que estamos muito mal. È precisa ter em conta que por mês pagamos mais de 10.000 Euros de vencimentos, 2.000 Euros de Segurança Social e 2.500 Euros de gasóleo, para só referir os maiores. Todos sabem os preços dos seguros, por exemplo.
O nosso saldo bancário é sempre nulo e precisamos de alguns equipamentos que não temos condições de adquirir.
0s recursos humanos é uma carência que impede a execução de diversas actividades agendadas. São um recurso escasso e precioso, mas nesta intuição tem como requisito base a necessidade de ser um voluntário com responsabilidade de profissional, porque são vidas humanas que dependem de nós. Esta responsabilidade nem todos conseguem assumir, o que é pena.

8- No que diz respeito aos recursos motorizados, o que existe? È necessário mesmo mais uma ambulância?
Neste momento temos duas viaturas de transporte de doentes com a sua capacidade de resposta completa de 2.ª a 6.ªfeira e três ambulâncias. Destas uma está na CCC de Lares diariamente e assim as outras duas tornam-se insuficientes. Quem já não precisou e não tivemos viatura disponível? E cada vez que fazemos manutenção a uma e quase ficamos inoperantes?
Está uma nova viatura a equipar e depois ficamos bem em termos de ambulâncias.
É preciso saber que fazemos uma média de 22 serviços dia, todos os dias vamos para Coimbra pelo menos uma vez e rolamos mais de 15.000 Km/mês.
È muito difícil fazer estas aquisições porque só o conseguimos com recurso ao crédito, mas entendemos que é uma necessidade. È pena não termos apoios.
Uma das diferenças entre o tipo de instituições como a CVP e as colectividades é que temos muitas actividades todos os dias, 24 horas por vezes mas que a maioria de nós, não se apercebe.
Para além das muitas horas de estrada diária e acompanhamento dos doentes, já colaboramos com várias colectividades nas suas actividades desportivas, como o BTT da Filarmónica Paionense ou o Nacional de Motocross na Marinha das Ondas, fizemos rastreios de prevenção na saúde, demos formação a população escolar. Brevemente vamos lançar na nossa área de intervenção (Lavos, Marinha das Ondas e Paião) um programa de rastreios, para além das indicadas no projecto para 2009.

9- A delegação dos Carvalhais da Cruz Vermelha, tem sócios, diga-me quais as vantagens de ser sócio?A Delegação de Carvalhais tem cerca de 600 sócios, que designamos por membros contribuintes. As vantagens são o desconto de 25% nos transportes pagos. Como somos uma única instituição este desconto é a nível nacional; o sócio participa nas actividades da instituição e tem os benefícios localmente promovidos. No nosso caso temos acordo com a Centropticas que pratica um desconto de 10% nos artigos e também no Eurico (pneus) cujo desconto depende do tipo de serviços.

10- Fala-se, aqui nos comentários que se tem recebido no blog, que os Carvalhenses não querem saber da instituição que é presidente. O que tem a dizer disso?
A pergunta que me fazes é pertinente e de difícil resposta. Mas é verdade que é nos Carvalhais que obtemos mais resistência. Gostaria de saber o motivo para podermos tentar alterar as coisas, porque é aqui que deveríamos ser bem acolhidos. Talvez ocupados com as nossas tarefas não nos relacionemos como deveríamos. Talvez, sejam outros motivos. Quem sabe através deste blog possamos alterar esta situação.
Temos de ter a noção que a Delegação está em Carvalhais e que como Carvalhense gostaria que as coisas fossem diferentes. Já tivemos propostas oficiais para mudar de localidade e isto de algum modo deixa-me triste.
Mas somos uma instituição que tem de estar acima do regionalismo porque a nossa missão não tem fronteiras. A maioria dos voluntários e funcionários são de fora. Há uma diferença que por vezes o público não faz, mas na verdade instituições e colectividades têm diferenças na sua génese.
E apesar das muitas dificuldades criadas, tenho muito orgulho nas pessoas que fazem parte da Delegação de Carvalhais. Na verdade fazemos tanto com muito pouco.

11- Em termos da sede, a instituição está bem servida?
Todos podem verificar que a nossa sede é apenas uma casa velha, na qual fizemos os melhoramentos possíveis e que não tem condições para melhorar. È o possível. Somos uma Delegação referenciada a nível nacional como exemplo de empenho e gestão. Não são as paredes que fazem as instituições mas sim as pessoas. É neste pensamento que tento manter o ânimo para prosseguir em frente.

12- De uma maneira geral, o que diz sobre toda polémica que tem sido levantada sobre a Cruz Vermelha, aqui no blog.

Respondo à questão com outra questão. Existe realmente polémica em relação à CVP

Carvalhais? Os primeiros comentários, menos abonatórios lançados sobre a instituição neste

blog foram lançados de dentro da Delegação e com recursos aos meios à disposição dos

voluntários – internet gratuita. O mesmo texto foi enviado à Sede Nacional. Daí para a frente já se falava mal de tudo e não só de nós.

É certo que muita gente critica a actuação da minha direcção, isso não me parece negativo. Toda a gente pode apresentar melhores soluções e ajudar a executá-las. Criticar sem soluções alternativas já não oferece grande alternativa de actuação. E houve recentemente a possibilidade de nos substituírem.

Estou certa que muitos outros acharão que somos colocados à margem e relegados em relação a outras instituições/colectividades. Também temos, felizmente, muita gente que conhece o nosso trabalho e nos apoia. Temos amigos e sócios fantásticos

13- Para finalizar sobre o blog, o que tem a dizer? Principalmente quando fala da instituição onde é presidente.
Sobre o blog tenho a dizer que é um passo à frente de muitos dos cibernautas que o utilizam. Os blog’s são espaços de discussão e onde tudo é válido. Este não é um blog qualquer, uma vez que visa colocar no mundo uma localidade pequena mas com grandes vontades. Deveria servir para fazer melhor e não para destruir. Isto não significa que não se critique mas devemos sempre respeitar o outro, porque sem respeito as sociedades degradam-se e não evoluem.
Gostaria que este blog fosse um espaço que nos fizesse reflectir e corrigir o que está mal, contestar e informar o que não está correcto, nos permitisse perceber o que nos afasta da sociedade carvalhense, como dizem alguns, mas sempre, que nos fizesse evoluir, ser melhores e mais capazes, porque precisamos de ser assim para respondermos à nossa missão.
Toda a gente pode um dia, um momento, estar fragilizado e precisar de nós. Esperamos poder ajudar.
Digam bem ou digam mal faremos tudo para estar presentes, porque a dignidade humana está acima de tudo e não conhecemos discriminação.

Bem hajam, Carvalhenses.

Obrigado pela disponibilidade